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sábado, 12 de junho de 2021

A bela Infanta




 BELA INFANTA


Estava a bela infanta
No seu jardim assentada,
Como o pente de oiro fino
Seus cabelos penteava.
Deitou os olhos ao mar
Viu vir uma nobre armada;
Capitão que nela vinha,
Muito bem que a governava. 1
– «Diz-me, ó capitão 2
Dessa tua nobre armada,
Se encontraste meu marido
Na terra que Deus pisava?»
– «Anda tanto cavaleiro
Naquela terra sagrada...
Diz-me tu, ó senhora,
As senhas que ele levava.»
– «Levava cavalo branco,
Selim de prata doirada;
Na ponta da sua lança 3
A cruz de Cristo levava.»
– «Pelos sinais que me deste 4
Lá o vi numa estacada
Morreu morte de valente:
Eu sua morte vingava.»
– «Ai triste de mim viúva,
Ai triste de mim coitada!
De três filhinhas que tenho,
Sem nenhuma ser casada!...»
– «Que dirias tu, senhora,
A quem no trouxera aqui?»
– «Dera-lhe oiro e prata fina,
Quanta riqueza há por i.»
– «Não quero oiro nem prata,
Não nos quero para mi:
Que darias mais, senhora,
A quem no trouxera aqui?»
– «De três moinhos que tenho,
Todos três tos dera a ti;
Um mói o cravo e a canela 5
Outro mói do gerzeli: 6
Rica farinha que fazem!
Tomara-os el-rei pra si»
– «Os teus moinhos não quero
Não nos quero para mi;
Que diria mais senhora,
A quem to trouxera aqui?»
– «As telhas do meu telhado
Que são oiro e marfim.»
– «As telhas do teu telhado
Não nas quero para mi:
Que darias mais, senhora,
A quem no trouxera aqui?»
– «De três filhas que eu tenho, 7
Todas três te daria a ti:
Uma para te calçar,
Outra para te vestir,
A mais formosa de todas
Para contigo dormir.»
– «As tuas filhas, infanta,
Não são damas para mi:
Dá-me outra coisa senhora,
Se queres que o traga aqui.
– «Não tenho mais que te dar,
Nem tu mais que me pedir.» 8
– «Tudo, não, senhora minha,
Que inda te não deste a ti.»
– «Cavaleiro que tal pede,
Que tão vilão é de si 9
Por meus vilões arrastado
O farei andar aí
Ao rabo do meu cavalo. 10
À volta do meu jardim
Vassalos, os meus vassalos,
Acudi-me agora aqui!»
– «Este anel de sete pedras
Que eu contigo reparti...
Que é dela a outra metade?
Pois a minha, vê-la aí!»
– «Tantos anos que chorei, 11
Tantos sustos que tremi!...
Deus te perdoe, marido,
Que me ias matando aqui.»
Almeida Garrett, Romanceiro
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Bela Infanta, uma das mais belas narrativas poéticas da tradição oral portuguesa, é de inquestionável origem medieval. Surgiu no século XVI, tempo das grandes navegações, quando os homens deixavam suas mulheres e se lançavam ao mar sem certeza de retorno. Esta versão foi recolhida na Beira Baixa e embelezada por Almeida Garrett, quem pela primeira vez em Portugal iniciou o trabalho de recolha, estudo e publicação da nossa poesia tradicional oral, cujo resultado deu origem a três volumes intitulados Romanceiro (1851). Bela Infanta «é sem questão a mais geralmente sabida e cantada de nossas xácaras populares» afirma Garrett.
Neste romance, o tema principal é o regresso do marido que a infanta espera sentada no seu jardim. O tempo da ação é indeterminado, pois as marcas temporais não são precisas. Porém, podemos afirmar que a ação se desenrola numa época histórica, o tempo da Expansão e das Cruzadas: «Viu vir uma nobre armada;», «Se encontraste meu marido / Na terra que Deus pisava.», «Na ponta da sua lança / A cruz de Cristo levava.» 

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ESTRUTURA DA AÇÃO
Ordem existente
Situação Inicial
Acontecimento perturbador
«Estava a bela Infanta no seu jardim assentada…»
«Viu vir uma nobre armada»
Ordem perturbado
Dinâmica do desequilíbrio
Forço retificadora
Notícia da morte do marido / a viuvez
As senhas pedidas pelo capitão
Ordem restabelecida
Situação final
Reconhecimento do marido

TEMPO
TEMPO
Tempo indeterminado - «estava…» (característica da literatura oral tradicional).
Tempo histórico - Descobrimentos (referências ao «oiro fino»à nobrarmada, às especiarias - cravo, canela, “gerzell” -, ao ouro, à prata e ao marfim; referência às cruzadas, à «terra que Deus pisavaou Terra Santa no Médio Oriente, com o cavaleiro que levava «selide prata doirado», um cavalo branco e a «cruz de Cristo» na ponta da sua lança).

ESPAÇO
Espaço muito restrito – Jardim (local de encontro); alusão ao mar («viu vir uma nobre armada») e ao Oriente Médio (à Terra Santa).

PERSONAGENS
A Infanta e o Capitão; referências às três filhas e aos vassalos.

GRADAÇÃO DAS PROVAS
Nível material: oiro e prata  moinhos  telhas.
Nível de relação afetivo-espiritual: ela própria.

TEMA
Fidelidade.
CLASSIFICAÇÃO
Romance tradicional novelesco (ou xácara popular, na expressão de Almeida Garrett), com elementos do romance histórico marítimo.

SIMBOLOGIA
Jardim – local do encontro amoroso.
Cabelos – a beleza feminina, mas também os fios que ligam à vida e ao amor.
Sinais do cavaleiro: selim de prata dourada – simboliza a nobreza; lança com a cruz de Cristo – guerreiro com espírito de cruzada.
Oiro, prata e marfim; cravo, canela e «gerzeli» - riqueza material / estatuto social e económico.
Moinhos – subsistência: o alimento.
Telhas – a própria casa: a existência.
Número 3 – a perfeição; a totalidade; a globalidade.
Número 7 – o completar de um ciclo; o repouso do herói; a felicidade; o encontro com a verdade.

LINGUAGEM E ESTILO
Linguagem simples, metafórica, oral e coloquial, emotiva, com marcas épico-líricas dramáticas; a descrição narrativa inicial dá lugar ao diálogo, onde predominam as frases de tipo exclamativo e interrogativo.

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